E por que, então, insistir em uma combinação tão complicada? Porque,
assim como nos relacionamentos pessoais, muitas vezes a paixão se
sobrepõe à harmonia. E paixão não falta aos chocólatras. Este é nada
menos que o doce mais apreciado do mundo, exercendo grande fascínio
sobre seus aficionados. Anualmente são consumidos 4 milhões de toneladas
em todo o mundo. Per capita, a Suíça está em primeiro lugar, com 10
quilos anuais. No Brasil, comemos 1,3 quilo ao ano, número tímido para o
segundo produtor mundial de cacau (300 mil toneladas), atrás apenas da
Costa do Marfim.
O chocolate tem mais de 5 mil anos de história. É originário da
América, onde era preparado em forma líquida pelas civilizações
pré-colombianas. Foi levado para a Europa pelo navegador espanhol Cortez
em 1528 e tornou-se popular como bebida. O formato em barra, como é
mais conhecido hoje, surgiu em 1847, na Inglaterra.
O aspecto mais sedutor desta jóia marrom é sua textura. A manteiga de
cacau derrete exatamente à temperatura do corpo humano, o que confere a
esta apetitosa comida uma sensação luxuriante quando em contato com a
boca. Sem mencionar os efeitos de diversos de seus componentes, como a
capacidade de estimular a produção de serotonina, neurotransmissor que
provoca sensação de bem-estar.
Mas como reconhecer e degustar um bom chocolate? Morda um pedaço
pequeno e deixe-o desmanchar lentamente na língua. Se for de qualidade,
irá dissolver-se de modo uniforme. Seu tato ao derreter deve ser
cremoso, liso como o cetim e macio como o veludo. Evite os pastosos,
grudentos ou granulosos. A presença de arenosidade é indicação de que
demasiado açúcar foi usado. Seu paladar deve ser equilibrado em sua
doçura e amargor, e o final longo, agradável e sem deixar gosto de
nenhum tipo de química. Aromas comuns em bons exemplares são: nozes,
caramelo, terra, fumaça, chá, manteiga, baunilha (o mais típico) e
especiarias, além de algumas frutas e flores. Falo do produto puro, sem
contar com os possíveis sabores adicionados à ele.
Se Petrucchio domou a megera Catarina, muitas bebidas podem fazer o
mesmo com o chocolate. Quando se trata desta união, o vinho é o enlace
mais explosivo. Neste caso, não estamos falando apenas de harmonia, mas
também da paixão dos consumidores por um e por outro. Como muitos
relacionamentos tempestuosos, mesmo quando não duradouros, saciam nossas
paixões.
Dos vinhos comumente recomendados, o Porto sempre brilha por seu teor
alcoólico e doçura. Um Tawny velho é para um chocolate ao leite e um
Vintage jovem para os mais amargos. O Sauternes harmoniza por sua
textura densa, aromas e doçura; o Champagne, pela elevada acidez que o
torna um curinga, combina com quase tudo. Uma boa surpresa pode ser um
Jerez do tipo Pedro Ximenez, generoso vinho espanhol que não se intimida
com o desafio. E, finalmente, o Banyuls, um fortificado doce do sul da
França, potente, que para muitos é a melhor opção.
Vinhos secos costumam sofrer nesta relação. O chocolate faz que os
encorpados figurem magros e desapareçam. A opção mais praticada é o
Cabernet Sauvignon, por ter normalmente aromas de chocolate. Dê
preferência aos jovens e frutados, pois os envelhecidos e barricados
perdem todas as nuanças quando submetidos ao doce de cacau.
A dupla paixão que envolve este casamento suscitou até a criação de
bebidas com mistura especial na fórmula. É o caso da linha de caldas de
chocolate com vinho da vinícola californiana Beaulieu Vineyeards, que
oferece uma receita com Porto e outra com Cabernet Sauvignon. Mais além
foi o igualmente californiano Deco Port Chocolate, um fortificado tipo
Porto, envelhecido em carvalho que recebe na elaboração chocolate em
estado natural.
Outras bebidas também se prestam muito bem a este conúbio. Licores de
frutas, como Cointreau ou Grand Marnier; destilados, como os bourbon,
cognac e armagnac; ou um simples chá preto podem ser ótimas opções.
Entre as novas combinações, a de whisky Johnnie Walker Gold Label, um blended super premium,
servido gelado, também enfrenta com galhardia a intensidade de um
bombom, por exemplo. Por fim, a bebida que talvez proporcione o casório
mais harmonioso: o café, por ser a única que consegue superar o
chocolate em amargor, evidenciando, assim, outras qualidades do
alimento. Além disso, a temperatura da moca fumegante aquece o palato e
facilita o derretimento do doce. É de dar água na boca.
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